quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Aprendizados em seis anos de atendimento direto a crianças e adolescentes no contraturno escolar




A Associação Acorde vivenciou, em abril de 2013, o desafio de falar de seu trabalho de longos anos em um evento da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo (SP). A fim de somar algo ao conhecimento daquelas pessoas que nos assistiam (em grande parte especialistas e alunos do curso de pedagogia), nossa apresentação no “VI Colóquio de Atuação do Pedagogo em Espaços Não Escolares” procurou exemplificar os conceitos teóricos da academia com casos bem práticos, tais como: construção de regras de forma conjunta; estímulo à autonomia dos educandos; propostas com desafios possíveis; mediação de conflitos; respeito; e afeto ‒ que é um dos principais diferenciais da Acorde.
No dia a dia da organização, os acordos são construídos conjuntamente entre educadores e educandos. Debate-se o cerne de cada questão, os porquês e principalmente as causas e as consequências de ações de cada um. Entende-se que uma regra acertada de forma coletiva não deve ser infringida por uma pessoa, porque carregará implicações para todos. Quando um do grupo pega uma bola emprestada, esta deve retornar ao local original para que outro grupo possa utilizá-la depois. Se não voltar, o acordo se quebra. Simples no pequeno e igualmente verdadeiro nas grandes ações.
Quanto à autonomia, na Acorde cada um é inteiramente responsável em relação às tarefas e pesquisas escolares, não havendo qualquer cobrança por parte dos educadores. À criança e ao adolescente é ensinado, desde o início, que na grade de atividades culturais e esportivas oferecidas existe, também, um horário aberto para que eles possam se dedicar aos estudos e que, dentro deste, é necessário que se organizem. Afinal, ao término deste período, o educando tem compromisso nas oficinas em que ele mesmo se inscreveu e com as tarefas escolares.
Ainda com relação à autonomia, os educandos são responsáveis pela utilização de equipamentos nas oficinas, tais como máquinas fotográficas e filmadoras, além de camisetas usadas em apresentações, e o grupo de percussão Acorde Pro Ritmo abastece a sua página (fan page) no Facebook com informações sobre a iniciativa. Os do grupo Acorda Corpo, que dançam Maculelê, já estão se apresentando sozinhos, sem a dependência do educador, que fica fora do palco.
As propostas com desafios possíveis de serem atingidos também são uma constante. Não há nenhuma exposição da criança quanto aos objetivos alcançáveis. O time de futebol de salão não jogará contra um time infinitamente superior, pois isso os desmotivaria, mas, sim, contra um time da mesma qualidade técnica ou próxima à sua. Isto porque entendemos que os desafios devem ser vencidos aos poucos. Da mesma forma, o ritmista do grupo de percussão da Acorde não será colocado para se apresentar na quadra da Mangueira, e sim em algum lugar onde sua apresentação seja valorizada e o incentive a melhorar cada vez mais.
A mediação de conflitos é outra experiência bastante gratificante na Acorde. A prática vem acontecendo desde 2007, e os frutos são visíveis. Antes de começarmos a utilizá-la, a única maneira que os adolescentes conheciam de lidar com situações adversas era por xingamentos, ofensas e agressões pessoais ou, as mais ofensivas, ligadas à família. Hoje eles já conseguiram adquirir uma noção de que o melhor caminho para resolver uma desavença é sempre o da conversa. A intolerância, eles já entendem que não leva a lugar algum. O próximo passo será formar mediadores entre os próprios educandos. A intenção é que estes apliquem a técnica, demostrando aos outros cada vez mais a independência do grupo como um todo.
Desde a criação da Acorde, o afeto ou acolhimento revela-se um aspecto regularmente presente, tanto nos educadores e funcionários como nas crianças e adolescentes. São encarados como perfeitamente adequados e positivos os abraços e os cumprimentos. Além disso, os educandos têm apreciado receber visitas na organização e interagir com elas, trocando ideias e estreitando laços. Se uma criança se ausenta por problemas físicos, há sempre uma preocupação coletiva com o socorro imediato, com o acompanhamento constante. Os educadores entram em contato com a família, e, em alguns casos, o grupo do qual esta criança faz parte a visita em casa para ver se está se recuperando bem.
Ao longo do caminho, nossas dificuldades são grandes. No tocante aos educandos, as principais são as evasões, que se dão pelos mais variados motivos e provocam quebras nos grupos de atendimento. Os principais motivos de evasão são castigo (por notas baixas ou mal comportamento) e mudança de bairro. Além disso,  a falta de condições financeiras para locomoção quando vindos de bairros mais distantes.
Em relação à comunidade, o desafio maior está em vencer a resistência de alguns pais quando a criança conta para eles sobre algum episódio que os desagrada. Nestes casos, ainda há uma tendência dos pais em acreditar na criança e não buscar pela versão da organização. Quando a Acorde sente a falta da criança e procura os responsáveis para entender o motivo da desistência, esclarece o assunto e, na maioria dos casos, conquista novamente a família.
Do ponto de vista institucional, o desafio maior é a luta da organização pela sustentabilidade financeira ‒ uma vez que a Acorde não cobra mensalidade e vive de doações, bem como os desafios de atrair e manter talentos entre educadores e equipe administrativa, tendo em vista a distância do centro de São Paulo e o custo do transporte.
Oportunidades como a do colóquio no Mackenzie nos auxiliam a refletir sobre nossas práticas e a amadurecer nossas visões de mundo, para podermos atuar ainda mais e melhor. Os desafios do atendimento direto continuam, e as principais contribuições do evento para a Acorde, nesse sentido, foram a contextualização das práticas da organização em relação às fundamentações teóricas da pedagogia, o conhecimento e o aprofundamento dos teóricos e estudiosos da educação, além dos vínculos e das relações firmadas com o mundo acadêmico e seus integrantes.

Por Douglas Campos, coordenador pedagógico da Associação Acorde

Douglas Campos é Pós-Graduado em Gestão de Pessoas e Projetos Sociais pela UNIFEI - Universidade Federal de Itajubá e Graduado em História pela UNICSUL -Universidade Cruzeiro do Sul.  Está na Associação Acorde desde 2007 e atualmente é o Coordenador Pedagógico e Cultural da organização.