A
Associação Acorde vivenciou, em abril de 2013, o desafio de falar de seu
trabalho de longos anos em um evento da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
em São Paulo (SP). A fim de somar algo ao conhecimento daquelas pessoas que nos
assistiam (em grande parte especialistas e alunos do curso de pedagogia), nossa
apresentação no “VI Colóquio de Atuação do Pedagogo em Espaços Não Escolares” procurou
exemplificar os conceitos teóricos da academia com casos bem práticos, tais
como: construção de regras de forma conjunta; estímulo à autonomia dos
educandos; propostas com desafios possíveis; mediação de conflitos; respeito; e
afeto ‒ que é um dos principais diferenciais
da Acorde.
No dia
a dia da organização, os acordos são construídos conjuntamente entre educadores
e educandos. Debate-se o cerne de cada questão, os porquês e principalmente as
causas e as consequências de ações de cada um. Entende-se que uma regra acertada
de forma coletiva não deve ser infringida por uma pessoa, porque carregará implicações
para todos. Quando um do grupo pega uma bola emprestada, esta deve retornar ao
local original para que outro grupo possa utilizá-la depois. Se não voltar, o
acordo se quebra. Simples no pequeno e igualmente verdadeiro nas grandes ações.
Quanto
à autonomia, na Acorde cada um é inteiramente responsável em relação às tarefas
e pesquisas escolares, não havendo qualquer cobrança por parte dos educadores. À
criança e ao adolescente é ensinado, desde o início, que na grade de atividades
culturais e esportivas oferecidas existe, também, um horário aberto para que
eles possam se dedicar aos estudos e que, dentro deste, é necessário que se organizem.
Afinal, ao término deste período, o educando tem compromisso nas oficinas em
que ele mesmo se inscreveu e com as tarefas escolares.
Ainda com
relação à autonomia, os educandos são responsáveis pela utilização de
equipamentos nas oficinas, tais como máquinas fotográficas e filmadoras, além
de camisetas usadas em apresentações, e o grupo de percussão Acorde Pro Ritmo abastece
a sua página (fan page) no Facebook
com informações sobre a iniciativa. Os do grupo Acorda Corpo, que dançam Maculelê,
já estão se apresentando sozinhos, sem a dependência do educador, que fica fora
do palco.
As
propostas com desafios possíveis de serem atingidos também são uma constante.
Não há nenhuma exposição da criança quanto aos objetivos alcançáveis. O time de
futebol de salão não jogará contra um time infinitamente superior, pois isso os
desmotivaria, mas, sim, contra um time da mesma qualidade técnica ou próxima à
sua. Isto porque entendemos que os desafios devem ser vencidos aos poucos. Da
mesma forma, o ritmista do grupo de percussão da Acorde não será colocado para
se apresentar na quadra da Mangueira, e sim em algum lugar onde sua
apresentação seja valorizada e o incentive a melhorar cada vez mais.
A
mediação de conflitos é outra experiência bastante gratificante na Acorde. A prática
vem acontecendo desde 2007, e os frutos são visíveis. Antes de começarmos a
utilizá-la, a única maneira que os adolescentes conheciam de lidar com
situações adversas era por xingamentos, ofensas e agressões pessoais ou, as
mais ofensivas, ligadas à família. Hoje eles já conseguiram adquirir uma noção
de que o melhor caminho para resolver uma desavença é sempre o da conversa. A
intolerância, eles já entendem que não leva a lugar algum. O próximo passo será
formar mediadores entre os próprios educandos. A intenção é que estes apliquem
a técnica, demostrando aos outros cada vez mais a independência do grupo como
um todo.
Desde a
criação da Acorde, o afeto ou acolhimento revela-se um aspecto regularmente
presente, tanto nos educadores e funcionários como nas crianças e adolescentes.
São encarados como perfeitamente adequados e positivos os abraços e os
cumprimentos. Além disso, os educandos têm apreciado receber visitas na
organização e interagir com elas, trocando ideias e estreitando laços. Se uma
criança se ausenta por problemas físicos, há sempre uma preocupação coletiva
com o socorro imediato, com o acompanhamento constante. Os educadores entram em
contato com a família, e, em alguns casos, o grupo do qual esta criança faz
parte a visita em casa para ver se está se recuperando bem.
Ao
longo do caminho, nossas dificuldades são grandes. No tocante aos educandos, as
principais são as evasões, que se dão pelos mais variados motivos e provocam
quebras nos grupos de atendimento. Os principais motivos de evasão são castigo
(por notas baixas ou mal comportamento) e mudança de bairro. Além disso, a falta de condições financeiras para locomoção
quando vindos de bairros mais distantes.
Em
relação à comunidade, o desafio maior está em vencer a resistência de alguns
pais quando a criança conta para eles sobre algum episódio que os desagrada.
Nestes casos, ainda há uma tendência dos pais em acreditar na criança e não
buscar pela versão da organização. Quando a Acorde sente a falta da criança e
procura os responsáveis para entender o motivo da desistência, esclarece o
assunto e, na maioria dos casos, conquista novamente a família.
Do
ponto de vista institucional, o desafio maior é a luta da organização pela
sustentabilidade financeira ‒ uma vez que a Acorde não cobra
mensalidade e vive de doações, bem como os desafios de atrair e manter talentos
entre educadores e equipe administrativa, tendo em vista a distância do centro
de São Paulo e o custo do transporte.
Oportunidades
como a do colóquio no Mackenzie nos auxiliam a refletir sobre nossas práticas e
a amadurecer nossas visões de mundo, para podermos atuar ainda mais e melhor.
Os desafios do atendimento direto continuam, e as principais contribuições do
evento para a Acorde, nesse sentido, foram a contextualização das práticas da organização
em relação às fundamentações teóricas da pedagogia, o conhecimento e o aprofundamento
dos teóricos e estudiosos da educação, além dos vínculos e das relações firmadas
com o mundo acadêmico e seus integrantes.
Por Douglas
Campos, coordenador pedagógico da Associação Acorde
Douglas Campos é Pós-Graduado em Gestão de Pessoas e
Projetos Sociais pela UNIFEI - Universidade
Federal de Itajubá e Graduado em História pela
UNICSUL -Universidade Cruzeiro do Sul. Está na Associação Acorde desde 2007 e
atualmente é o Coordenador Pedagógico e Cultural da organização.
Nenhum comentário:
Postar um comentário